14 março 2007

Ch-ch-ch-changes!!! (Medicina e Mudança)


I

(Para Cão, a dizer “Bom Dia!” algures em Praga)

Confesso, nunca fui particularmente avessa a mudanças. Delas sempre tive demasiadas expectativas para me assustarem, mesmo quando não sabia muito bem o que esperar. Houve, claro, uma altura em que pensei “Ah, mudar e tal, é mais confortável ficar onde estou” (na transição IST – FML) mas, felizmente, tive então a presença de espírito necessária que me impediu de deixar de dar um passo em frente, pelo medo do que encontraria a seguir. O fascínio pelo desconhecido, a nostalgia do que está para vir, o andar em frente que atrás vem gente, com mais ou menos esforço, tem-me guiado os passos neste circuito de vida.

E todas estas mudanças são também um inter rail no que ao auto conhecimento diz respeito. Lembro-me que às tantas me foi dado um conselho que caiu como uma sentença: “Não queiras ser mais do que aquilo que és”. Foi tão grande a revolta! Que era preciso evoluir, que todos temos que ter uma certa ambição, estar parado é estar morto, etc. Confesso que na altura não estava particularmente agradada com a paisagem interior, contribuição imensurável para que o conselho – hoje entendo-o como tal – se tornasse em sentença.

Agora que a Medicina me livra um pouco mais o tempo, fui à prateleira onde repousam as últimas aquisições na Fnac. Abro, folheio, cheiro o novo e a novidade, e por fim começo. “As pequenas memórias”, Saramago. Às tantas fala-se de como a percepção de uma paisagem varia consoante o estado de espírito do observador. O mesmo é válido, julgo, para as palavras. Quando foram ditas há tanto tempo que vagueiam nas profundidades do iceberg da (in)consciência, naquela parte que nem o CO dos Estados Unidos consegue derreter, saltam-nos de rompante para a superfície no exacto momento em que as percebemos. Afinal era isto. “Não queiras ser mais do que aquilo que és”. Faz o melhor que puderes com quem és. Tira proveito de ti próprio.

Reescrevi a frase no dia em que entrei para Medicina.

A vida tem destas coisas. Trilhos longos e insidiosos para nos fazer chegar ao lugar certo. Procuramos sempre uma razão para tudo e chegamos à brilhante conclusão que ela está dentro de nós. Somos ostras de nós mesmos. E às vezes só quando alguém nos faz abrir a concha é que percebemos o que vai lá por dentro. Conversas ao longo de noites, cafés, viagens. A resposta inesperada e vinda de terras longínquas, quando estamos tão cheios da nossa esfera privada que nos esquecemos que há vida para além disto que nos rodeia.

Still dont know what I was waiting for
And my time was running wild
A million dead-end streets and
Every time I thought Id got it made
It seemed the taste was not so sweet
So I turned myself to face me
But Ive never caught a glimpse
Of how the others must see the faker
Im much too fast to take that test

Ch-ch-ch-ch-changes
(turn and face the strain)
Ch-ch-changes
Dont want to be a richer man
Ch-ch-ch-ch-changes
(turn and face the strain)
Ch-ch-changes
Just gonna have to be a different man
Time may change me
But I cant trace time

I watch the ripples change their size
But never leave the stream
Of warm impermanence
So the days float through my eyes
But stil the days seem the same
And these children that you spit on
As they try to change their worlds
Are immune to your consultations
Theyre quite aware of what theyre going through

Ch-ch-ch-ch-changes
(turn and face the strain)
Ch-ch-changes
Dont tell them to grow up and out of it
Ch-ch-ch-ch-changes
(turn and face the strain)
Ch-ch-changes
Wheres your shame
Youve left us up to our necks in it
Time may change me
But you cant trace time

Strange fascination, fascinating me
Ah changes are taking the pace Im going through

(D. Bowie, Changes)


II

(Para Miss Barriguita e Prof. Karamba)

Uma coisa curiosa é que depois de entrar em Medicina comecei a ter medo de mudar. E percebi também como os outros esperam realmente essa mudança, como a procuram na camisola de cor mais viva, no desabafo da Anatomia, no aperto da lida da casa que não se compadece com plexos e anastomoses.

Procuramos um rumo, tentamos concretizar-nos individualmente, deixamos tudo para trás. Os amigos, as “tocas” e países de origem, o ordenado que nunca mais chega ao fim do mês, a independência, talvez até a maternidade. Em compensação, esperamos tornar-nos homens e mulheres do mundo, chegamos a casa com o sentimento de dever cumprido. Deixamos de procurar naqueles que nos são mais próximos a realização pessoal que não nos podiam dar. E, ainda assim, o medo de mudar. Lançamos apelos. “Por favor avisem-me se eu me tornar uma dessas cabras/porcos capitalistas que nem olha para a cara do doente”.



O que nos vai impedir?... A partilha, a “psicoterapia” em grupo no café do lado, o estarmos juntos no mesmo barco. Os blogues, praças gregas de Filosofia da era moderna.

"Thursday's Child"

All of my life I've tried so hard
Doing my best with what I had
Nothing much happened all the same

Something about me stood apart
A whisper of hope that seemed to fail
Maybe I'm born right out of my time
Breaking my life in two

[CHORUS]
Throw me tomorrow
Now that I've really got a chance
Throw me tomorrow
Everything's falling into place
Throw me tomorrow
Seeing my past to let it go
Throw me tomorrow
Only for you I don't regret
That I was Thursday's child

(D. Bowie)

4 feedbacks:

Lef disse...

thank you. :)

João Cão disse...

"Don't bother just to be better than your contemporaries or predecessors. Try to be better than yourself." William Faulkner (1897-1962)

URSULADINA disse...

hei u!!
andava a ver as cenas do cão e encontrei o link para aki e li o teu post sobre a mudança. o mais engraçado é k tinha acabado de ler um havia poucos minutos. aki vai ele: http://utopiaounao.blogspot.com/2007/03/nada-ser-como-antes-ou-no-das-mudanas.html
é de um amigo meu, acho que nao o chegaste a conhecer. mas como ele escreve acho mais uma vez, que vais amar.
bom trabalho aí na tua nova mudança!!
see u soon

Inês disse...

olá... o meu nome é inês gonçalves e sou caloira deste ano da fml.não deves saber quem sou. não consegui perceber se és da minha fornada... mas olha, se algum dia tu fores 1 dessas k n olha para os doentes, eu aviso-te. eu espero k m avisem se o cansaço se apoderar e o doente passar para segundo plano. boa sorte para a oral (e para tudo!), havemos de nos cruzar :)